TRIBUTO Álbum triplo do selo Lua Music traz 50 versões inéditas de canções do Rei do Baião e, com poucas falhas, é o melhor lançamento do gênero.
Luiz Gonzaga é provavelmente o artista mais regravado da história da música brasileira. No ano do seu centenário incontáveis discos em sua homenagem vêm sendo lançado praticamente todos os dias. Contam-se, no entanto, nos dedos, os que acrescentam alguma coisa à caudalosa obra gonzaguiana. Um destes poucos é o fornido álbum triplo 100 anos de Gonzagão (Lua Music), com 50 gravações inéditas de canções pinçadas do vasto repertório de Luiz Gonzaga.
O responsável pelo projeto é o produtor Thiago Marques Luiz, um paulista, de 33 anos, que trocou o jornalismo pela música e já ostenta um currículo invejável. Vai de tributos – Ataulfo Alves 100 anos, Carmem Miranda 100 anos, Cartola 100 anos – a discos de Wanderléa, Ângela Maria, Cauby Peixoto, Alaíde Costa. Foi tal currículo que levou a Lua Music a encarar esse projeto ousado em tempos de crise na indústria fonográfica. O repertório, afirma Marques, foi 95% sugerido por ele: “Parte baseado em pesquisa que fiz, e parte do que já conhecia desde criança”, diz o produtor.
Os estilos e nomes dos artistas que participam de 100 anos de Gonzagão não poderiam ser mais ecléticos e abrangentes: Vai de dois novatos pernambucanos, desconhecidos até no próprio Estado natal – Airton Montarroyos, até então inédito em disco, e Paulo Neto, de quem Thiago Marques Luiz acabou de produzir o primeiro CD –, até Claudete Soares (que já foi chamada de Princesinha do Baião, coroada pelo próprio Gonzagão), Wanderléa, Maria Alcina, Vanguart, os americanos Nation Beat e Forró in the Dark, Cátia de França, Edy Star, Ylana Queiroga, Gonzaga Leal, Sílvia Machete, Karina Buhr, Liv Moraes, Guadalupe, e os obrigatórios Dominguinhos e Elba Ramalho, para dar ideia da variedade do projeto.
Naturalmente, não dava para ter gravado tudo numa mesma cidade. Graças às facilidades da internet, o produtor pode supervisionar as gravações à distância. De São Paulo, onde mora, ele enviava, via web, os pitacos para o Rio, o Recife, João Pessoa, Nova Iorque, e São Paulo. O motivo de ter entrado na empreitada, segundo diz Thiago, foi a importância de Luiz Gonzaga na MPB. “Ele é fundamental. Gonzaga e Roberto e Erasmo são os compositores mais populares do Brasil, com maior número de sucessos. Em todo lugar se canta Gonzagão porque há nordestinos em todos os lugares do Brasil. Não teria existido Tropicália, se não existisse Luiz Gonzaga, por exemplo, uma coisa está entrelaçada na outra”, afirma.
Para ele, é uma ação também para fortalecer a música de Luiz Gonzaga, em meio a pior leva de produções de má qualidade que já houve na história da música do País, com a fuleiragem music sendo confundida com o forró.
“Acho que é como acontece no sertanejo. As pessoas apenas denominam a música com uma nomenclatura genérica. É como se diz também MPB. Tudo é MPB, uma questão mais de linguagem. No caso do forró, das bandas, acho que acontece um lance totalmente descaracterizado do forró autêntico, e que apenas leva apenas o mesmo nome. Musicalmente falando, é pobre, acho que é um reflexo do empobrecimento cultural brasileiro, que nos é mostrado todos os dias através da programação das emissoras de TV, por exemplo”, reflete Thiago.
“O Brasil se desculturalizou demais nos últimos anos, e a tendência é piorar, a não ser que aconteça um milagre. De todo modo, eu percebo que a música de qualidade não morrerá jamais, sempre haverá público. Um público menor, claro, mas sempre haverá”, pondera o produtor musical.
Apesar de tanta gente boa numa única produção, Thiago Marques Luiz confessa que sentiu falta de alguns nomes e canções essenciais para um trabalho como este: “Sobretudo Alceu Valença e Fagner. Ambos não participaram porque já tinham seus projetos individuais de carreira para este ano sobre Gonzagão”. Ele também sente falta de não ter no repertório canções como Numa sala de reboco, Aquilo bom, Retrato de um forró, Pagode russo, e Karolina com K. “Não caberia tudo. Daí eu teria que fazer um CD a mais. E já foi duro convencer a gravadora a fazer três CDs com 50 gravações inéditas. Afinal, fizemos esse trabalho com recursos próprios, sem patrocínio algum. Ninguém se interessou em patrocinar”, comenta Thiago.
DISCO
O projeto 100 anos de Gonzagão ratifica em sua meia centena de faixas a universalidade da obra de Luiz Gonzaga. Começa com uma obviedade, Asa branca (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira), com citação de A hora do adeus (Luiz Queiroga/Onildo Almeida), com Amelinha, Geraldo Azevedo, Ednardo e Anastácia, com interpretações as mais óbvias possíveis. Felizmente é uma das poucas faixas fracas do disco. Os mais afeitos ao repertório gonzaguiano são exatamente os responsáveis pelas faixas mais redundantes. Elba Ramalho, por exemplo, faz uma surpreendente interpretação burocrática para No meu pé de serra (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira).
A maioria dos veteranos está no CD 1, Sertão, em que se destacam a voz rude de Cátia de França em Vozes da seca (Gonzaga/Zé Dantas), Passoca, em Baião da garoa (Hervé Cordovil), Guadalupe e Liv Moraes, em Ave Maria Sertaneja (Júlio Ricardo/O. de Oliveira), e Gonzaga Leal, em Noite brasileiras (Zé Dantas).
Os dois outros dois CDs, Xamego e Baião, se não chegam a ser experimentais ou ousados, reinventam a música de Gonzagão, como ele próprio teria gostado de ouvir. Wanderléa incrementou de guitarra o inaugural Baião (Gonzaga/Humberto Teixeira), Karina Buhr imprime sensualidade e brejeirice a Xanduzinha (Gonzaga/Humberto Teixeira), Marina Alcina escracha em Xamego, Ylana Queiroga também sensualiza Orélia (Humberto Teixeira). Desnecessária a participação de Elke Maravilha cujo departamento é o de estrela freak, nunca cantora para prestar tributo a ninguém. Algumas interpretações limitam-se com o antológico, como a que Silvia Maria e Dalua fazem com a difícil Mangaratiba (Gonzaga/Humberto Teixeira). Pecadilhos à parte, 100 anos de Gonzagão é até aqui o melhor tributo que a obra de Lua recebeu em 2012.
teles@jc.com.br
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