Acabo de chegar do México, mais precisamente de
Mérida, na península de Yucatán. Fui participar de um encontro intitulado “Enriching
Collaborative Practices Across Cultural Borders”. O encontro foi
realizado em uma região do México na qual a civilização Maia é absolutamente
presente, não só nas ruínas, mas também nos rostos que andam nas ruas, assim
como na língua (mais de metade da população da região tem o maia como sendo sua
língua materna).
Descobri, durante minha permanência lá, que tanto a
localização quanto a época do encontro não eram por acaso. Segundo as
instituições organizadoras – Taos Institute e Kanankil
Institute, o principal tema do encontro – práticas colaborativas e a
construção do ser a partir das relações sociais – conecta-se com a nova era
anunciada no calendário Maia.
Quando ouvi essas palavras, na abertura do encontro, pensei: “Nova era?
Mas não era o fim do mundo?” Lembrei-me de um péssimo filme norte-americano que
vi no ano passado, que apresentava nosso mundo submerso em 2012. Lembrei-me dos
títulos nas estantes das livrarias de aeroporto sobre o calendário Maia e o fim
do mundo… E lembrei-me de como cada uma de nossas culturas entendem o tempo e a
história à sua maneira.
Com mais de 200 participantes, oriundos de mais de 20 países e de
diversas áreas acadêmicas e profissionais (psicologia, psicanálise, sociologia,
educação, e antropologia, entre outros), o encontro tinha apresentações e
palestras tais como “sistemas humanos”, “a tensão das diferenças no selfrelacional”,
“a Construção social do significado através do movimento” e “Diálogos tecno-
socioconstrutivistas”, entre outros.
A base de toda discussão parte de uma nova visão do indivíduo, entendido
como um ser “relacional” e não absoluto. Um paradigma novo e antigo, como
percebi, pois ainda em minha santa ignorância sobre o tema, vi de que maneira
essa desconstrução da noção de indivíduo como uma entidade autônoma, hoje
abraçada por acadêmicos e consultores em todo o mundo, retoma conceitos
bastante presentes nas culturas “ancestrais”, tais como a cultura maia.
Comecei a refletir sobre alguns paradigmas do meu próprio campo de
atuação, ou seja, as narrativas. A narrativa, seja ela a história de um grupo,
uma empresa ou de uma única pessoa, surge, de fato, a partir das relações
estabelecidas no momento em que são produzidas. Isto é, a história de uma
empresa ou de uma pessoa só existe na medida em que pessoas se juntam e passam
a atribuir significados comuns ao que, de forma conjunta, criam como sendo suas
“histórias”.
Todo este debate me fez pensar, ainda, em algo bastante presente em
nossas vidas – que são as noções de início e fim. Esta visão foi bastante
acentuada nesse encontro, em uma cidade e região muito mais maia do que
espanhola e/ou mexicana.
No dia 21 de março fomos convidados a assistir ao nascer do sol em uma
ruína maia, em um local chamado DZIBILCHALTUN. Lá, esperamos para ver de que
maneira o sol era precisamente enquadrado pelas molduras das janelas e portas
de um templo, durante os dois equinócios deste ano de transição de uma era maia
para a outra. Essa transição, entendida como uma passagem, foi apropriada em
nossa cultura como o fim do mundo.
Durante o nascimento do sol, um momento mágico e estarrecedor, um
descendente maia explicava que nessa nova era muitas coisas terão que se
transformar. Ele traduzia essa cosmovisão dizendo que o mundo está dividido em
duas partes, não contraditórias como céu e inferno, mas complementares, e foi
dando exemplos de que não existe vida sem morte, homem sem mulher, ou eu sem
outro.
Então, pensei, não existe fim sem começo e nem começo sem fim. Vi de que
forma, por estarmos tão condicionados a pensar no tempo de forma linear,
vislumbramos nossa morte como nosso e a história de nossa sociedade como uma
linha voltada para “frente”, interrompida por alguma catástrofe – talvez por
isso temos sempre nossos anúncios de fim do mundo– mesmo que este venha anunciado
pelas mudanças climáticas.
Mas, ao ver aquele sol nascendo precisamente enquadrado por uma
construção realizada mais de dois mil anos atrás, vi como as culturas não se
perdem, mas se transformam. Vi como cada um de nós pode, sempre, reconstruir
suas próprias narrativas e como o tempo, sempre uma definição, pode ser
entendido como um ciclo, uma linha ou mesmo um fluxo permanente de
transformações.
Karen Worcman http://www.museudapessoa.net
Graduada em História pela Universidade Federal Fluminense (RJ), com mestrado em Lingüística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É fundadora do Museu da Pessoa, um museu virtual de histórias de vida. Para mais artigos deste autor clique aqui
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